“A câmera visualiza patas de cavalos, que cruzam uma trilha em uma densa floresta. Um menino algemado é carregado por um dos três cavaleiros, que tem seus rostos encobertos por capuzes. Pode-se perceber estranhos chifres saindo da cabeça do garoto, que aparenta não mais do que doze anos. Ninguém fala nada, e os únicos sons que se ouvem são os dos habitantes da floresta, o barulho causado pelo movimento dos cavalos e o zunir do vento que movimenta as folhas das árvores.O pequeno grupo chega até os portões de uma gigantesca fortaleza, e descem silenciosos por uma trilha levando a criança até o pé de uma montanha onde avistam mar adentro uma imensa estrutura que aparenta ter sido construída séculos atrás. Com o auxilio de um barco, cruzam o mar e penetram na construção, onde depois de uma longa caminhada atingem um enorme salão, circundado com dezenas de urnas.-O que estamos fazendo é para o bem da aldeia... Diz um dos três homensSem entender absolutamente nada, e totalmente assustada, a criança é aprisionada em uma urna que é rapidamente lacrada, e deixada lá para morrer. Para os homens e para toda a sua tribo só a morte do estranho garoto poderá aplacar anos de desgraças que surgiriam caso a profecia acompanhada do sacrifício não se concretizasse.”
Assim começa
Ico, uma das maiores obras primas da indústria dos games. Esqueça FPS’s com um milhão de polígonos e quase 2000 personagens na mesma cena,
Ico é sufocante exatamente porque você está só, quer dizer, só você e Yorda, a princesa que foi capturada e trancafiada numa cela suspensa numa sala do castelo.
Ico foge das extravagâncias visuais dos jogos comuns,
Ico se concentra muito mais na profundidade que os personagens trazem à tela do que nas magias e armas que eles têm.
Ico não tem muitas armas, nem música – para falar a verdade somente em raros momentos temos música no jogo – e esqueça magias ou coisas do gênero, a máxima magia é a Yorda abrindo as portas seladas por mágica quando ela se aproxima.
Os inimigos são sempre iguais, com pequenas variações, mas a essência é sempre a mesma, “fumacinhas” negras que surgem de redemoinhos no meio do cenário em momentos aleatórios durante o jogo. E você conta apenas com um pedaço de pau – se você for esperto consegue uma mace, que detona os monstros com 2 golpes - e sua coragem para impedir que eles avancem para cima da Yorda e a levem de volta pro redemoinho, o problema é que de cada redemoinho surgem muitos monstros, e em cada parte do cenário, podem surgir – e surgirão – vários redemoinhos com vários monstros, e você tem que atravessar todo o terreno em pouco tempo, e caminhando, enquanto os monstros voam com ela no ombro, sem falar que o tempo é relativamente curto para que eles a levem para o redemoinho – se isso ocorrer e ela for completamente sugada de volta pro redemoinho, game over – e a Yorda não costuma ser muito sagaz durante todo o jogo.
Sorte que o controle do jogo é perfeito, é muito intuitivo e fácil controlar o pequeno
Ico pelos labirintos e jardins do castelo, basta não esquecer de segurar e levar pela mão a nossa amiga Yorda, e tudo correrá tranqüilo nessa parte do jogo.
Agora chega a parte mais impressionante do jogo, a concepção gráfica dele. Falar de toda a fotografia e arte gráfica de
Ico sem parecer um fã alucinado e adolescente deslumbrado com o que está vendo, mas, é impossível não se deslumbrar com
Ico. Imagine que tudo parece perfeito, as folhas das plantas a árvores, o cabelo dos personagens, a água, a incidência da luz, tudo, tudo mesmo é muito bem trabalhado, inclusive, a interação do cenário é muito boa, tudo reage à
Ico. Reflexos reais que são modificados de acordo com a interação da água com o ambiente, pássaros, portas, alavancas, árvores com sombras perfeitamente proporcionais. Enfim, uma experiência magnífica é ver
Ico rodando.
A parte sonora também é arrasadora, cada som parece encaixar no jogo de modo perfeito, parece que tudo foi pensado à exaustão para que o jogo fosse a obra que é. Cada efeito sonoro é perfeitamente orquestrado, parece que você está dentro do castelo junto com Ico e Yorda.
Mas o ponto mais alto – e um dos pontos fortes do jogo todo – é o cenário gigantesco e opressor. Cada grande salão do castelo te passa a idéia de solidão e opressão que todo o enredo quer que se sinta. Cada torre gigantesca, cada salão, cada árvore, cada caverna, tudo foi pensado para que esse fosse o cenário mais impressionante que os vídeos-game dessa geração pudessem gerar.
Imagine que você altere algum objeto de uma determinada sala, e depois se distancie bastante desta área. Horas depois se você em uma torre altíssima tem a possibilidade de observar aquela mesma sala, lá estará o objeto modificado da maneira que você deixou. Este tipo de detalhe ajuda bastante na ambientação e somado ao tempo quase imperceptível de transição entre um local e outro, acaba transformando o jogo em uma experiência belíssima.
Ainda temos o inúmeros puzzles durante todo o jogo. Ações como empurrar um carrinho que contém uma corrente que permite alcançar uma plataforma com diversas caixas que quando arremessadas podem servir como escada para a jovem Yorda ou... Escalar até o ponto mais alto de um imenso salão e pular em cima de um gigantesco lustre, que cai devido ao seu peso, criando uma ponte que permite que você possa alcançar o lado oposto de onde você está, e diversas outras coisas são extremamente gratificantes, e te causam uma sensação de prazer, poder e inteligência, dificilmente conseguido por outros games.
O meu único porém para o jogo é o fato de ele ser muito curto, se bem que, pensando melhor, não é que
Ico seja curto, é que você depois de jogá-lo não quer mais deixar, quer jogar o tempo todo, o máximo que conseguir.
Ico não inova em nenhum sentido, é um jogo de puzzles, RPG que preza a jogabilidade e a arte gráfica sutil acima de tudo, sem se preocupar com magias e frames por segundo, ou a quantidade de sangue que espirra quando se atira na cabeça dos outros monstros. E por isso mesmo, é uma obra prima, porque é simples, deslumbrantemente simples, e vale cada minuto de jogo, mas já aviso que o sentimento de solidão ao vagar pelo castelo é inevitável.
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